O martelo enquanto martelo

O martelo enquanto martelo

O martelo enquanto martelo

 

A criança e a ferramenta, uma análise sobre o comportamento delas enquanto brincam de “coisa séria”.

Diz-se no budismo indiano, Mahayana, dentro das correntes filosóficas atuais, que um objeto só pode ser considerado determinado objeto enquanto cumpre a função a qual se destina. Um martelo só pode ser considerado, e chamado, de martelo, quando e enquanto cumpre seu ato de martelar. Se estiver sob a mesa, pode ser um peso de papel, ou qualquer outra coisa que a imaginação o destine.
Minha aula, partindo desta perspectiva, deseja cumprir a função das ferramentas enquanto ferramentas, já consolidadas dentro do imaginário coletivo com funções bem estabelecidas. Aqui, lembro do meu irmão sempre dizendo: “se o trabalho não está rendendo, a ferramenta (assumindo seu uso correto) está errada”, deixando claro o pouco espaço a que suas ocupações se destinam.

Um martelo, nos nossos encontros de quinta-feira à tarde, no Baobá, se pretende a função de martelo, preso a sua função de martelar. Essa propriedade dele, neste espaço de vivências, se destoa, pois não se projeta ao imaginário da criança para que ela possa martelar de ponta cabeça, ou com a parte de trás, ou que voe pelos ares como um avião, ou o que for que essas crianças dotadas de uma criatividade infinita queiram que ele seja. Naquele dia, naquela hora, só há uma opção.
Ali, estudamos a paciência, o esforço, a prática, a repetição e o erro. E o erro. O erro. Aqui, no erro, se mostram os verdadeiros “eus”. A criança que isso, que aquilo, foge, no fundo daqueles olhos concentrados e que só prestam atenção em uma coisa: No martelar. Querem martelar, ponto final. Ali, elas martelam seus próprios dedos e, quem era capaz de chorar por qualquer coisa, já não chora por nada. O dedo vai pra boca e o martelo continua a ser martelo. Ali, a aparência frágil revela que a persistência vale mais que a força, a concentração mais que o ímpeto fugaz sem direção. O menino que vive de inventar mundos e mundos em cima de mundos, se abre no mundo que está dado, se rende ao fato de que não foi ele que o inventou e brinca com o espanto que lhe é revelado. Se rende ao desejo de querer fazer aquele ato simples, mas que, de algum modo, é tão desafiador. De vários modos, na verdade.
Fazer aqueles olhos pararem por alguns minutos… E ali no momento onde eles veem a verdade do martelo, seu martelar, eles também percebem que martelaram seus dedos, sem reparar; que pregaram vários e vários pregos sem distrair; que estão, no fim das contas, com uma “coisa de adulto” em mãos e que já se sentem, um pouco mais, não as crianças que mascaramos com nossas verdades mal ditas, mas crianças potentes, de fato, que poderão ser crianças, se o quiserem, o quanto quiserem, até enquanto passam pelas coisas de adultos e as deixam de lado, também, para que vivam seus mundos leves e sãos.

 

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